sexta-feira, 27 de março de 2009


Vitinho ::

Minha bicicleta rompe o escuro brilhante da ponte JK. O Lago Paranoá e um grande massa escura de água. Sinto a primeira subida, ainda leve, mas que já se faz ser percebida. Não dura muito e logo a velocidade sobe novamente. Estou no Lago Sul, o templo do triathlon brasiliense, por essas ruas atletas como Leandro Macedo e Mariana Ohata ganharam asas para o mundo. Hoje porem tenho que tomar muito cuidado para não ser supreendido por nenhum buraco. São muitos, e as vezes podem atingir proporções que facilmente derrubaria ate o mais experiente ciclista. Seguro firme a malha de gel que recobre o clip. Coloco o corpo para frente, deslizo o cotovelo para frente, estou mais aerodinâmico. Na posição onde são travadas as decisivas batalhas do ciclismo. Logo me imagino em outro lugar, ou talvez nesse mesmo, mas em outro contexto. Adversários imaginários começam a me fazer companhia. Eles vão chegando, aos poucos, fazendo o treino ficar cada vez mais intenso. Já pedalei ao lado de Lance Armstrong, Ian Ullrich e Ivan Basso. Foram batalhas árduas. Algumas vezes ganhava, outras não. Também não foram raras as ocasiões em que fui assistido por milhares de pessoas ao longo da rua. No carro de apoio da equipe sempre uma certa voz feminina me dá forcas. Porem hoje estou sozinho, sem adversários imaginários, é um contra relógio. Aqueles em que homens tentam se mostrar mais íntegros que o tempo. A velocidade sobe, 40km/h. Agora sinto que atingi o ritmo que pretendia. Porem posso ir mais rápido. Minhas pernas dizem isso. Concentro-me no giro, lembro de André Falcão “Calcanhar para baixo, giro constante” transformo a mentalização em forca bruta. 42km/h. Sinto minhas pernas arderem. Dou-me conta que não lembro qual era o sentimento que me fazia dor aguda e não me deixou dormir na noite passada. Hoje sou apenas eu, o cateye e a minha amada Mérida. Após vinte minutos nesse ritmo, um sentimento de ecstasi me toma corpo e mente. Um estado alterado de percepção. Em parte provocado pela falta de sangue no cérebro. O corpo se concentra em mandar o sangue para as partes que estão sendo mais requisitadas pelo exercício. Explicações médicas a parte. Estou em paz! Canalizo toda a energia para os pedais. Meu corpo chega a se esquecer da existência da mente. Tudo o que importa agora é fazer a velocidade marcada no cateye aumentar ainda mais. Então levanto do selim, faço de minhas pernas dois grandes pistões. Não demoro muito para sentir-las em brasas, pegando fogo. Mas isso é só o tempero de elevar-me ao limite do esforço físico. Não por necessidade de performance, mas por pura vontade própria. O coração antes amargurado, agora única e exclusivamente, bombeia sangue. Quase não há mais pensamentos, apenas as pernas que continuam a desempenhar decididamente seu papel. Isso é muito diferente de qualquer competição. Não há regras ou estratégias aqui, só você e sua bicicleta. Nos metros finais, dou tudo de mim. Não há mais nem corpo nem mente para a dor. Cruzo minha linha de chegada imaginaria. Recebo todos os meus troféus imaginários. Porem hoje fui campeão de verdade. Mais uma vez. O sol começa a despontar no horizonte, é hora de voltar para casa. Brasília nasce em infinitas cores. A manhã que antes era criança, toma ar juvenil. Carros apressados dominam as ruas enquanto raios de sol reluzem no carbono da bicicleta. O espelho de água do lago que antes era uma massa escura, ficou azul com a chegada da manhã. A cidade ganha vida. Então ao voltar para casa percebo que não sou a mesma pessoa. Dou conta que certos sentimentos tendem a irem embora junto com o suor

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